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Poesia - 2006 / 2015

 

 

2015

     
  Eternidade  
     
 

Eternidade é “morrer” em ti

abandonado ao teu corpo pulsante,

reviver, num instante, ao suspiro

do desejo insaciável que te toma

e me volta a subir pelo corpo,

morno, abrasador, envolvente.

 

Esquecemos as horas apressadas,

o tempo é nada, apenas paixão pura

que demora para além de nós,

da loucura dos corpos estremecidos,

das nossas bocas fundidas, dos olhares

perdidos no fundo do ser, derretidos

no vulcão, quente e húmido, do prazer.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 23-12-2015

 
     
  Rosas  clandestinas  
     
 

Amo-te com rosas clandestinas

brotadas do chão de pedra quente

sémen de um vulcão inebriado…

 

Em ti encontrei a beleza pura

prazer redentor e amargurado

jura de ter e dar tudo por inteiro

 

Canteiro imaginado e ausente

semeado de lava solidificada

pronta a florir deste tudo e nada.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 20-09-2015

 
     
  Despido de mim  
     
 

sentir-me assim, despido de mim

perdido numa memória qualquer

anoitecida num crepúsculo tardio

 

não sei se quero reviver a tua imagem

saborear o teu corpo por amanhecer

para mim, vazio de ti, azul o sonho

do teu vestido por abrir e os dedos

 

trémulos da ilusão de te querer!

 

Avelino Rosa

Odivelas, 19-09-2015

 
     
  Sou de todo o lado  
     
 

Sou daqui e dacolá…

Sou de ti nos dias em que desperta

o desejo mais aceso

Sou do Mundo em cada notícia

que me toca a alma aberta

Sou de quem me lê e gosta ou odeia

Sou de todos os que me querem

classificar em qualquer modelo

em que nunca me hei de encaixar.

 

Mas sou teu, em cada olhar fugaz

em cada beijo fugidio e comprometido

no roçar os corpos e toque das mãos

caminhando pelas estradas de sempre

nas conversas às avessas que temperam

o fim e o princípio de nós, amantes.

 

Do arco íris, do Infante, das histórias

que reinventamos dos factos e non sense

da vida por viver sobre a toalha da mesa

palavras que o vento leva serra acima

fertilizando a floresta e cada arbusto.

 

Sou teu e de todo o lado…

Teu, por direito, querer e destino!

 

Avelino Rosa,

Odivelas, 06-06-2015

 
     
 

Tátá

 
     
 

Tátá foi-se da minha vida

assim como quem sai

do cabeleireiro ao lado

cabelo tratado, unhas de gel

 

Menina mimada, rebelde

engraçada no jeito de se dar

detestável no modo de pensar

e de ser por inteiro Mulher

 

Deu-lhe um vaipe e foi-se lesta

porta afora, com a mala Vuitton

cabelo tratado, unhas de gel

fiquei besta, debaixo do edredom

pele ainda morna , sorriso rasgado:

 

- Que bom!

 

Avelino Rosa

Odivelas, 22-05-2015

 
     
 

Morrendo em ti

 
     
 

O cigarro acende

uma fogueira breve

teus olhos incandescentes

iluminam a noite

 

aparição dos meus dias

ingénuos e devassos

pauta descompassada

da sinfonia distorcida

que ressoa de outro lado

 

algures, o cigarro, a música

invadem-me de cheiros

e fico quedo, morrendo em ti.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 22-05-2015

 
     
 

Desinteressada

 
     
 

Colados os bocados

te achei inteira

 

Breves instantes

da loucura recriada

no vórtice dos medos

segredos só nossos

 

Musa e senhora

corri pela noite

buscando palavras

sonhando esperanças

ternas lembranças

adulteradas

 

Colados os bocados

te achei inteira

te encontrei distante

desinteressada.

 

Avelino Rosa,

Odivelas, 08-05-2015

 
     
 

O teu Retrato

 
     
 

Colo todos os bocados

que os sentidos captam

compondo, peça a peça

o teu retrato, imaginando

o que escondes dentro

do olhar rebelde e terno

com que me perscrutas

desse lado do espelho

 

O puzzle que encaixo

acentua o vazio em mim

Para além do nada, tudo

renasce em agonia tolerada

de vulcão, de lava arrefecida

sabendo a ti, depois a nada

 

Avelino Rosa

Odivelas, 01-05-2015

 
     
 

Poesia (Dia da Poesia)

 
     
 

(Ficaria mal se não fizesse um poema

no dia Mundial da Poesia…)

 

É isto não-sei-quê que acontece

ver nascer sob os dedos hesitantes

que brota do fundo das emoções

sustento de lava, queimando e ferindo

ou de cinzas frias espalhadas ao vento

 

É isto que a boca saboreia, dizendo

que o corpo sente, extravasando-se

num lamento ou alegria extasiada

um pouco de tudo ou quase nada

 

Que alinha palavras em frases, notas

numa pauta de sons e tons à espreita

de ser subentendida pelo intérprete

 que a possa executar, dando-lhe vida

 

Perdidos que estamos nas emoções

no vórtice da loucura dos sentidos.

 

Avelino Rosa

Vilamoura, 21-03-2015

 
     
  Babel aqui ao lado  
     
 

Aqui ao lado, de Babel confundido

da torre sobre o dilúvio enxugado

zigurate de tijolos e betume seco

ambicionando tocar o céu de Javé

 

Proibido das delícias do paraíso

por culpa própria, desnorteado

por julgar ter perdido o toque

suave e enfeitiçado da tua pele

morna e sequiosa das carícias

que reivindico apenas minhas

 

Em mesopotâmias e babilónias

perdido, digo, num eco vibrante

que viole os teus ouvidos: ILY!

 

Avelino Rosa

Odivelas, 13-03-2015

 
     
  Estátua fria  
     
 

Perdi a inspiração

numa terra de Espanha

ou de outro país qualquer

 

Só sei que foi longe

do verso, do ponto central

do meu Universo

 

Já não sei como lidar

com as palavras e os sons

tudo fica com os tons

de uma estátua fria.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 28-02-2015

 
     
  Cesto de vime  
     
 

A força parte o vime

a habilidade molda-o.

 

Entrançado no cesto

que trazes à cabeça

sobre a rodilha de pano

o vime é uma memória

das mãos calejadas

que o torcem e ajeitam

do cheiro a verde e novo

da esperança trazida

de casa à terra amanhada

da merenda merecida

quando o sol vai a meio

e consola os homens

que ainda sonham

ou deixaram de sonhar

pelas veredas de silvas.

 

Sobre a toalha de pano xadrez

o cheiro da linguiça e inhames

do bolo da fornada da manhã

come-se com sofreguidão

no silêncio do altar improvisado

saboreando o vinho que escorre

pelas gargantas ressequidas e,

só então, se contam histórias

- de circunstância, da vida gasta

ou inventada em imaginação

mais curta que um serrado.

 

Há muitos anos, teci um cesto

de vime fresco e puro, com as mãos

de criança que ainda queria ser tudo

- não sei dele nem que destino teve

ficou apenas a memória de ver o sol

multicolor, raiar por entre as frechas

do vime entrelaçado, cesto inacabado

de uma história em que me perdi

algures, nos meandros da fantasia.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 28-01-2015

 
     
  Pedra de mármore  
     
 

Aposto que sou feito de mármore

com veios e nervuras desenhados

por toda a pedra, num emaranhado

de sangue e de linfa impregnados

de pez prestes a aquecer e incendiar

numa imolação lenta e purificadora

 

Mas se assim a pedra vive por dentro

debatendo-se em vulcão tumultuoso

por fora aparenta a enigmática rigidez

da pedra de mármore fria e ausente.

 

 Avelino Rosa

Odivelas, 11-01-2015

 
     
  Escondendo segredos  
     
 

Vais ver que eras

apenas uma sombra breve

de um passado longínquo

perdido na bruma da memória

 

Vais ver que eras

 o sonho que sonhava

diluído nos lilases e azuis

que floresciam no nosso mar

 

Vais ver que eras

o que ainda és, que somos

crianças, brincando aos poemas

escondendo ingénuos segredos.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 02-01-2015

 
 

 

2014

     
  Fantasma Fantasia  
     
 

Foi como sentir-te sentada

estendendo o braço sobre o banco

a mão dada sobre as folhas secas

quebradiças do fim de outono

 

Foi assim que me visitaste

fantasma da minha fantasia

invisível e morna na ternura

da aragem que trouxe o perfume

do teu corpo, beijando-me a face

 

Foi assim que te senti, inteira

perfeita. O sonho que alimento.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 28-12-2014

 
     
  O Grito  
     
 

Abro as mãos e aponto-as ao Céu

das ponta dos dedos saem fios de luz

irregulares e invisíveis aos humanos

- são o segredo da sucessão dos dias.

Fazem nascer a noite, a lua e estrelas

o sol, as montanhas, o horizonte coado

pela neblina que se adensa do mar

e corre, faminta, a esconder a cidade.

 

Não sei porquê, nunca vou entender

esta vontade cósmica de me diluir assim

num traço de uma tela expressionista.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 21-12-2014

 
     
 

 
     
 

O Grito_EdvardMunch_1893

 
     
  Quero ser Mar  
     
 

(Refrão)

Quero ser

quero ser como o vento

nas velas brancas dos barcos

que partem para nenhum lugar

fracos e sem alento, renascem

a navegar, a navegar 

 

Quero ser

quero ser a espuma que voa

rodopiando esparsa no ar

que soa a quilhas a rasgar

as ondas de sonhos e poesia

cheirando a maresia sem mar

para navegar, para navegar

 

Quero ser

quero ser como a nota solta

que foge da guitarra a soluçar

desfeita da corda que corta

destinos e medos de embalar

as vidas que a gente esconde

e ajeita aonde já não há mar

para navegar, para navegar.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 14-12-2014

 
     
  Grito do silêncio  
     
 

Sei lá porque me refugio no silêncio

das palavras

porque as desalinho num desatino

insondável

feitas fragmentos, bocados de raízes

por colar

 

Sei lá porque elas se soltam e gritam

o que eu queria calar.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 07-12-2014

 
     
  O tempo morre devagar  
     
 

O tempo morre devagar

 

Morreu o tempo devagar

por entre os meus dedos

escorrendo em fios invisíveis

desfiando a vida em bocados

 

Decepados

 

O gesto de cerrar os punhos

não traz de volta nada

nem adia a realidade

apenas me culpa

por a ter apressado.

 

Avelino Rosa,

Odivelas, 29-11-2014

 
     
  Beijo com sofreguidão  
     
 

Beijo-te, com a sofreguidão

do jejum da tua ausência

imaginando-te nas noites vazias

em que sonho não sei se acordado

em que me imolo num fogo brando

depois da fogueira ateada em labaredas

 

Pelo meio, espraio-me pelo teu corpo

unjo os seios firmes, os mamilos rijos

com a boca molhada, a língua ondulada

percorrendo a tua pele, bebendo néctar

da flor que desabrocha semiaberta

 

Entro no teu corpo, húmido e quente

aos ritmos da maresia e do furacão insano

que varre a areia, a espuma das ondas

até provocarem  maremotos, marés vivas

subtilmente transformadas em cansaços

devassos das bocas, das nossas línguas

 

Beijo-te com sofreguidão…

 

Avelino Rosa

Odivelas, 11-11-2014

 
     
  Plantação de letras  
     
 

Plantei um poema…

Nasceu um pepino do avesso

pequeno, travesso e maldoso

vesgo e bexigoso, risca preta

ao longo do corpo esponjoso

 

Enjeitado, larguei-o na gamela

do porco gordo, sujo, esfomeado

engolindo-o num trago ruidoso

 

Aleivoso, o gato, bicho-do-mato

alvitrou num miado desdenhoso

- Em vez de letras, planta diferente

pão e salsicha, com boa mostarda

na certa nasce um cachorro quente

que, como o poema, sabe a nada.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 01-11-2014

 
     
  Essa Força  
     
 

Essa força vem das entranhas

 

Atira-se à rocha, volta desarrumada

parte-se em farrapos de espuma

espalhada ao vento, escorrendo

nas veias que dão vida ao corpo

de lava e maresia dos picarotos

 

Olhar o céu é ver o cume, forma

despertando o desejo, alimento

a paixão de ilhéu presa no tempo

vaga revolta, que embala e mata

de saudades de ti, longe de mim.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 20-10-2014

 
     
  Poema naufragado  
     
 

Os teus e

Levado pelo vento, entrou na água

subiu, meio submerso, a crista da onda

Caiu, com a folha desbotada, volteando

no tubo da vaga surfada pelas emoções

Abeirou-se ainda da praia, no suspiro

que antecede o refluxo do mar espanto

e Senhor de si e das vidas que sustenta

 

Mas o poema foi apenas mais um destroço

lançado nas rochas, barreira intransponível

de uma qualquer ilha deserta e longínqua

que já só dizia apenas: “- Amo-te e…”

 

 Por vezes, o amor é um poema naufragado.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 18-10-2014

 
     
  Beleza  
     
 

Os teus e os meus olhos profundos

em ânsia, perscrutam-se mutuamente

mergulhados na visão espelhada

dos lábios molhados, da pele colada

dos corpos confundidos no ser uno

no sexo húmido , entranhado, em êxtase

dentro de nós, percorrendo as artérias

que explodem em azuis e violetas

deixando o cheiro intenso e perfumado

 

A beleza és tu em mim!

 

Avelino Rosa,

Odivelas, 14-10-2014

 
     
  Pernil de porco  
     
 

Pernil de porco no forno

feito por abadessa secular

por mais que aconteça

morno, quente ou a escaldar

sabe sempre a sobremesa

 

Antes ou depois do jantar…

 

Avelino Rosa

Odivelas, 12-10-2014

 
     
  Rosto lavrado  
     
 

Fui a lonjura, o segredo, o esquisso de pintura

do teu rosto lavrado em palavras arrancadas

da terra ressequida, do arado agreste e cortante

desafiando a rocha que vem do interior solidificado

- subsolo de camadas sobrepostas, crostas de feridas

 

Vivi na ilusão de pintar o teu retrato, fiel e real

entrando na moldura que me faria parte de ti

 

Na doce tontura dos poetas inconsequentes.

 

Avelino Rosa,

Odivelas, 02-10-2014

 
     
  Droga de vida  
     
 

Escolho a veia melhor, já a ressequir

aperto o garrote e injeto o preparado

 

Seringa nova abrindo novo sonho…

 

O corpo estremece, os olhos cerram

e vagueio por um espaço sempre novo

formas multicolores em metamorfose

corpos eufóricos, sem rostos nem pecado

 

A cor desbota em cinzentos brilhantes

sobrevém a calmaria lânguida e angustiante

sintomas anunciadores da ressaca amanhecida

 

De novo sonho para viver procurando a morte

qualquer dia, sem remorsos, ao entardecer.

 

Avelino Rosa,

Odivelas, 26-09-2014

 
     
  Futuro atrasado  
     
 

 Perdi-me, algures, num tempo esquecido

em mim, esvaído nas lágrimas de sangue

morno, rebelde, depurativo e libertador

- És apenas passado, história não escrita

vagamente lembrada em dias de anoitecer

 

Ainda me dou por perdido, no verbo e ser

a contas com o destino que me persegue

por entre brumas e espinhos que cravam

na tontura dos girassóis que perdem o Sol

na alegoria de paixões inquietas e perenes

no esvoaçar das aves que chegam e partem

céleres e permanecem em lugar nenhum

 

Já não sou eu, nem ave, nem réptil apressado

apenas a sombra de um dia, de um momento

fantasma, solitário e estigma, de te ter amado

à espera nem sei de quê, mas de um futuro

atrasado.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 19-09-2014

 
     
  Análise ao sangue  
     
 

Uma análise ao INR pode desesperar…

Se o sangue está espesso demais

e há o perigo de um AVC, para quê

tanta demora, de mais de 24 horas?

 

Se tiver o tal derrame e flipar

doo a colheita de sangue à analista

que talvez tenha uma secreta predileção

por válvulas de coração e sobretudo

um fraquinho pelo sangue deste miúdo

que é quente, saboroso e singular

 

Se assim for e quiser experimentar,

com o produto bem mais liquidificado

garanto-lhe mesmo que o gosto e travo

são um must, de saborear em banquete

sobretudo em hemorragia inerente

superior ao premiado vinho do Sado

 

E assim fico à espera da tal analista

responsável máxima pelo meu futuro

vampirística ou simples apreciadora

de um bom e depurado vinho maduro.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 16-09-2014

 
     
  Escravo do teu olhar  
     
 

 

Escravo me fizeste do teu olhar

convidando a viagens incondicionais

 

Navego pelos teus olhos acessos

mergulhando no esplendor da descoberta

percorrendo planetas, galáxias, universos…

 

Quedo-me no beijo longo, quente e húmido

que recomeça as carícias e emoções intemporais

trajes a costurar nas viagens que ficaram por fazer

 

no corpo uno, nosso, que vamos desvendando.

 

Avelino Rosa,

Odivelas, 14-09-2014

 
     
  Implosão  
     
 

Corta

a corda

do coração insolente

 

Desliga

o fio

do pavio adormecido

 

Desarma

a arma

da bomba latente

 

Implode de repente

com nenhum sentido

e sem  ninguém notar

sabendo ainda a pouco

 

- Não, não estás louco

apenas a amar!

 

Avelino Rosa

Odivelas, 07-09-2014 

 
     
  Desnudado  
     
 

Pedes que me solte, desnude

das emoções à flor da pele…

 

Despir o meu corpo imaginando

o escultural e invejável que foi

(que uma hospedeira embevecida

ia enviando para o Sal em vez de Faial)

estou envelhecido e uns quilos a mais

mas ainda vivo e sobra-me juventude

 

Mas não queres só isso, queres mais

que deixe fluir as emoções, que perca

o controlo do meu corpo costurado

e me dilua em ti, no teu próprio corpo

percorrendo novos caminhos e universos

inimagináveis, por onde me guiarás

por onde nunca naveguei e serei simples

aprendiz de amante, saboreando o elixir

dos feitiços de amor que me destinarás

 

Sim, solto-me, para entrar no teu corpo

desnudado, puro e imaculado, pronto

para os ensinamentos da sacerdotisa

da minha floresta de medos esconjurados.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 31-08-2014

 
     
  Estrela Marota  
     
 

Uma estrela caiu do céu

sobre um tufo de relva

do meu jardim de inverno

 

Descansando dos dias de verão

abandonado ao torpor da lassidão

espraiado em purgatório e inferno

ofuscou-me com a sua luz intensa

e fez de mim quanto quis

numa chama ardente, imensa

 

Quando se foi fiquei feliz…

Voltando a vê-la lá no firmamento

sorrindo para mim, fiquei sabendo

crescendo na volúpia e no prazer

que voltaria em todas as noites

trespassadas pela angústia de viver.

 

Avelino Rosa

Vilamoura, 29-08-2014

 
     
  Corpo Cansado  
     
 

O meu corpo cansado precisa de ti

-  dorme a meu lado num abraço largo

Sei que em breve, um frémito percorrerá

veias e capilares, aquecendo o sangue

fervendo nos lábios, na ponta dos dedos

 

O teu corpo, o meu corpo, confundidos

no desejo que os despe e abre ao vórtice

da volúpia que nos agarra, em puro êxtase

 

De uma noite de loucura e paixão, inesquecível.

 

Avelino Rosa,

Odivelas, 26-08-2014

 
     
  Pedra Inanimada  
     
 

A pedra inanimada

Rachou a cabeça do coelho

e pintada de sangue fresco

quedou-se num galinheiro

Galos e galinhas debicaram

partiram os bicos e ficaram

mais desmiolados ainda

Pintos de paternidade duvidosa

ainda sem vícios de capoeira

empurraram a pedra inanimada

para o bueiro fundo das limpezas

levada no rodopio da água imunda

E por lá ficaram, galos, galinhas e pintos

como se não tivesse acontecido nada

 

Há uma pedra no cimo de uma escada

apodrecida, estropiada.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 12-08-2014

 
     
  Poema para ti  
     
 

(Faço este poema para ti apenas

certo que o lerás nas entrelinhas

por detrás dos múltiplos asteriscos

que escondem a palavra-chave

dos nossos encontros e beijos tardios)

 

Um leve sussurrar ao teu ouvido

e a noite acendeu lua e estrelas

A Flauta Mágica de Mozart surgiu

das paredes encantadas do Castelo

Um coro de cigarras irrompeu do jardim

A janela mourisca refletia a imagem

dos nossos rostos e corpos transfigurados

 

Daqui ao longe, percorrendo a Via Láctea

um grito contido emudeceu a noite

e quedou-se na nossa caixa de segredos.

Avelino Rosa

08-07-2014

 
     
  Do outro lado da vida  
     
 

Estive do outro lado da vida,

tranquilo, como quem está

pronto e expectante…

Ouvia apenas os anjos em azáfama:

“Está a ir…. Preparar DAE… Esperem…

pode ser a Amiodarona… Está a reagir!”

E eu não fui. Teimoso, como sou, fiquei.

“Quando lembro e o vejo agora assim…”

E rimos, eu remoçado, ela feita anjo feliz.

 

A vida é assim, presa por um fio

- só mãos delicadas e experientes

o conseguem manipular sem partir.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 02-08-2014

(Aos médicos da CUF Infante Santo)

 
     
  Instantes breves  
     
 

Trouxe-te, hoje

entranhada em mim

vestida de ternura

e segredos contados

sob a luz coada dos lençóis

 

O nosso mundo

dos instantes breves

Avelino Rosa

07-06-2014

 
     
  Surgiste do nada  
     
 

Surgiste, assim do nada

Lua na penumbra da noite

que incandesceu o meu corpo

água e sementeira de terra ardida

seco e carente de tudo

 

Trouxeste a doçura do sorriso

que se espraia sob a pele

a ternura e o calor das carícias

que acendem os sóis noturnos

 

Fica comigo, assim, abraçados

antes que o sonho se apague

Avelino Rosa

05-06-2014

 
     
  Conformado  
     
 

Os espinhos

já não ferem

Gastaram-se

inutilmente

em infernos

e primaveras

estéreis

 

Conformado

sou apenas

o cato ressequido

que sacia ainda

a tua sede

 

Avelino Rosa

12-05-2014

 
     
  Autista  
     
 

Tu achas que és detentora

de toda a razão

e explicas todo o comportamento

de quem diverge de ti

como se tudo se resumisse

a um guião de cinema

visto, revisto, repetido

à exaustão

 

Nem ouves e menos escutas

motivos, indiretas, recados

embrulhados em papel colorido

só para não afrontar, desencadear

a tua soberba costumeira

- tu, só tu conta nas tuas contas

 

E ficas, assim, no desprezo

no fingimento das verdades inúteis

redundância dos grandes nadas

revoltada, amargurada

no teu próprio orgulho despedaçado.

 

Avelino Rosa

Lisboa, 22-04-2014

 
     
  Loucura  
     
 

Não sei se sonhei…

Voava por entre nuvens

dentro de um arco-íris em espiral

que me levava a lugar nenhum

 

E eu deixava-me ir, embalado

pelo som suave das estrelas ondulantes

Viajante de mim pelo cosmos que sou

até ao sopro do Sol que tudo liquidificou

e em água acordei, feito oceano sereno.

 

 Avelino Rosa

Odivelas, 10-04-2014

 
     
  Paixão louca  
     
 

A paixão não perdura

sente-se já, agora

saboreia-se por fora

depois entra na gente

e afunda-se irreverente

 

Então abre caminhos

incendeia entranhas

rasga segredos, medos

move duras montanhas

e vai-se nas asas da loucura

escorrendo quente e pura

 

Descansa-se latente

até que a gente de novo

acorde o vulcão e a lava

e o fogo reacenda a paixão

 

Avelino Rosa

Odivelas, 23-02-2013

 
     
  Pontuação  
     
 

Pisco-te o olho com um ponto e virgula

e um parêntese curvo fechando,  para retorno

de um simples sorriso, que se faz teclando

dois pontos e o mesmo parêntese vulgar.

 

Mas tu preferiste intrigar com a ambiguidade

das reticências e do ponto de exclamação,

ficando eu sem saber que outro símbolo

pudesse desfazer a tua usual excentricidade.

 

Cliquei dois pontos seguidos de asterisco,

sabendo do risco de um beijo intempestivo.

mas tu com riso afetivo, descortinas pouco:

“- és louco e mais n digo...rsss”, escreveste,

como quem se esconde ou teme revelar-se.

 

Acendeste então uma ternura sem limites

no meu corpo faminto de lumes e infinitos

e os dedos criaram um coração a palpitar,

de um parêntese angular maior e um três.

 

Desta vez, com candura, replicastes tudo.

E ficámos assim toda a tarde, a recriar o amor,

as coisas em redor da realidade e do virtual,

o mundo dos sentidos perdidos e transviados.

 

Renovando votos para depois do ponto final.

 

(Porque a pontuação interioriza o poema!)

 

Avelino Rosa

Odivelas, 9-02-2014

 
     
  Adereços  
     
 

Gosto do teu corpo

imaginado

sob os adereços

que adornam

mas desfocam

a imagem

da beleza por revelar

 

Quero amar-te

na nudez do teu ser

penetrar o teu eu

abrigar-me em ti

descansar na languidez

das planícies alentejanas.

 

Porque te quero!

 

Avelino Rosa

Odivelas, 02-02-2014

 
     
  Acendeste um Sol  
     
 

Acendeste um sol no meu corpo

Miríades de centelhas

expelem dessa tempestade solar

entranhando-se, percorrendo

as veias em gotas de fogo

 

Sucumbo aos teus segredos

contados em sussurros e gemidos

violando os meus ouvidos

riscando-me a pele com as garras

de águia que agarra e lava a presa

pelos infernos e céus da loucura

 

Acendeste um sol no meu corpo

e o instante breve persiste...

Sou uma supernova prestes a explodir!

 

Avelino Rosa

Odivelas, 02-02-2014

 
     
  Ano Novo  
     
 

O ano Velho

escaqueirei-o aos bocados

enterrando-os bem fundo

já nem sei bem onde

 

O Novo

ainda meio adormecido

tosco nos modos e gestos

algo pedante na verbalização

e pregoeiro de frases feitas

 

Começa já a envelhecer

e a despregar-se em contradições

e a esperança fica saudade

do alento resignação da revolta

e tudo volta pior ao mesmo de antes.

 

Até que...

Grândola floresça

e nos apeteça de novo

Cantar!

 

Avelino Rosa

Odivelas, 01-01-2014

 
 

 

2013

 
  Fuso e Roca  
     
 

No turbilhão das memórias

dançam o fuso e a roca

tecendo invisíveis teias

 

Morei lá, no fundo das coisas

que cheiram a mofo, a naftalina

vestes amarrotadas em baús de cedro

cego e sedento, deslumbrando

das aventuras imaginadas a medo

desvendando segredos sepultados

degredos que nunca haviam existido

 

Dançam o fuso e a roca

 

E eu dancei também, irreverente

Meti esporas a um cavalo selvagem

E parti, cavalguei o espaço, o tempo

Cai e levantei-me, esquecendo feridas,

Tecendo, descompassado, a própria vida

 

Agora, que não sinto mais a azáfama tecedeira

quedo-me no teu regaço, embriagado de emoções

renascendo em cada primavera de espanto

 

Avelino Rosa

Odivelas, 23-12-2013

 
     
  Fugi de mim  
     
 

Fugi de mim, embarcando em naus

de outrora, navegando em tempestades

repentinas e calmarias descontadas

 

Na verdade, morei mesmo numa nuvem

sob o azul estrelado e a lua condescendente

Não foram pecados nem vaidades estéreis.

foi a descoberta das emoções latentes

sob a pele das palavras que falam e sentem

 

Fiquei preso na fina teia

que fui tecendo sem cuidados

que só às aranhas compete construir

 

Avelino Rosa

Odivelas, 12-12-2013

 
     
  O Poço do Diabo  
     
 

Saiu do poço sem fundo num ápice,

firmando-se na terra encharcada de lama.

 

Afastados os receios de implosão,

o corpo raiou-se de pústulas escarlates,

sangrando de pus e podridão fétida,

caindo aos bocados no chão da estrada.

 

Cães vadios, famintos de comida e desgraça,

seguiram o rasto, comendo cada pedaço

com a sofreguidão de quem absorve a vida,

até que não restou mais nada que os ossos,

e o coração, batendo solto, descompassado.

 

O esqueleto inteiro teimou ainda em andar

num passo arrastado, trémulo, cambaleante.

Depois caiu de frente, desconjuntando-se,

osso por osso, a cabeça rolando, o coração

ainda latejante, despedaçado pela matilha.

 

Nunca ninguém soube quem era, donde viera.

A lenda, criada entre os pontos e nós da renda

e da sueca regada a aguardente das noites longas

da aldeia perdida nos confins do mesmo nada,

reza que foi a tarde em que os cães comeram o diabo.

 

Avelino Rosa

Vilamoura, 10-12-2013

 
     
  Insanidade  
     
 

A ilusão teima

em conduzir-me

por entre os escombros,

como se passeasse

pelo bosque mais belo

da Natureza.

 

Gentes, animais,

decepados, mutilados,

mortos ou moribundos

jazem, agonizam, agitam-se,

num cenário dantesco,

de um terramoto infame.

 

Mas a ilusão cega-me.

Em vez de dor e desgraça

mostra-me lírios brancos,

em vez de gritos lacinantes

o piar musicado de pássaros

em cerimónia de acasalamento.

 

Só então me apercebo

que o meu desvario tem raízes

que buscam o ventre da terra

que mergulham na lava ardente

do vulcão que resolvi habitar.

 

Avelino Rosa

Odivelas, 30-11-2013

 
     
     
     
 

Caminhos

 

Há caminhos

que nos são vedados

 

Há caminhos

que fecharam por desuso

 

Há caminhos

que nem chegaram a existir

 

Há caminhos

que não vão a nenhum lado

 

Eu uso apenas a imaginação,

asas do sonho que me fazem voar

sobre as nuvens, sem destinos

 

Eu percorro tudo, sem caminhar

 

 

Avelino Rosa

Odivelas, 12-11-2013

 
     
  Pássaro tardio  
     
 

Com os últimos estertores

findou-se o ser

...

renasci pássaro tardio

 

Odivelas, 06-09-2013

 
     
  Tristeza  
     
 

Hoje sinto-me triste

 

O meu corpo amolecido

escorre pelo chão

como gelatina

incontrolada

 

Derramado.

 

Odivelas, 19-06-2013

 
     
  Coisa nenhuma  
     
 

Quando te criei

eras trovão, raio, torrente

noite de elementos desavindos

com os mortais

 

Ensinei-te os murmúrios

da linguagem das estrelas

e clareaste o céu de azul

numa angustiante inqueitude

 

Morri devagar

nos teus braços trémulos

sem nunca ter entendido

coisa nenhuma.

 

Odivelas,  06-06-2013

 
     
  Vens pela Net...  
     
 

Vens de mansinho

despenteando-me os cabelos

ao sabor dos teus dedos.

 

E eu sinto, sinto-te

respirando suavemente

junto do meu ouvido

segredando murmúrios

imperceptíveis gemidos.

 

A realidade desaba

quando tu partes

deixando-me sem imagem

sem palavras

esvaziado de ti.

 

Odivelas, 30-05-2013

 
     
  Flor selvagem  
     
 

Flor selvagem

nascida no penedo

onde me encerro

buscando na noite

o perfume

das tuas pétalas breves

 

Beijo-as com a sede

do deserto quente

das palavras por dizer

com as mãos trémulas

que atravessam o éter

e  tocam o teu rosto

imaginário

 

Uma flor selvagem

vive  no penedo

onde me encerro

 

Odivelas, 30-04-2013

 
     
  25 de Abril sempre!  
     
 

Já não é Abril

mas memória

gesto contido

peito aberto

sangrando

 

(mil estilhaços

trespassaram a História

decepando a utopial)

 

Já não é Abril

mas insanidade

abutres debicando

a própria raça

festim antecipado

de autofagia

 

Contra ninguém,

mas por nós,

25 de Abril sempre!

  

Odivelas, 24-04-2013

 
     
 

 

2012

 
  Mão da vida  
     
 

Adormeço dentro de mim

Deixando-me escorregar

Para o fundo da escuridão

 

Deixo-me por lá ficar

Enrolado no cordão que ainda

Me prende à vida a sangrar

 

Não vejo, não ouço, não sinto

Nem o simples murmurar dos ventos

Que silvam lamurientos, transviados

 

E é das profundezas do meu sono

Que sonho uma mão acendida na escuridão

Rastilho que me traz à vida.

Que me devolve à razão.

 

CUF Infante Santo, 03-12-2012

 
 

 

2011

 
  Persistência  
     
 

Quando a imaginação se espraia

para além dos fiapos de luz do horizonte

há o risco de o próprio corpo cair no abismo

 

Mas se o ser resiste, colam-se os pedaços

e sobe por um dos quatro cantos da terra

renascendo algures ao sabor dos elementos

de uma natureza regeneradora, condescendente

 

O homem é vontade, o querer, a força do saber

da razão aliada ao sonho de realizar o impossível

tornando realidade o que se julga inatingível

 

É a persistência do homem que faz evoluir o Mundo

Mas é a mesma persistência que mata o homem

decepando-o, bocado a bocado, devolvendo-o

ao abismo de onde renasceu

 

Odivelas, 21-08-2011

 
     
  Ao fim da tarde  
     
 

Era o fim da tarde

a praia estava deserta

e eu só, ali, olhar fixo

num horizonte sem fim

 

apeteceu-me gritar: amo-te!

 

Mas aconcheguei-me na areia

como se tivesse a cabeça

no teu regaço quente

como se me acariciasses

os cabelos emaranhados

 

Senti mesmo a tua mão

o respirar entrecortado

pela brisa e o marulhar

 

Adormeci

sonhando contigo!

 

Odivelas, 29-01-2011

 

 

     
  Mensagem breve  
     
 

Amo-te

com a paixão que reacende

em cada olhar furtivo

em cada beijo

que trocamos

 

Amo-te

em cada lembrança de ti

sempre

 

Odivelas, 22-01-2011

 
 

 

2010

 
  Perto e longe (RAP)  
     
 

O Mundo está assim

Perto e longe

De mim

 

Não sei se lute

Não sei se cale

Esta dor

Esta mágoa

Que me embala

 

O Mundo está assim

Perto e longe

De mim

 

Quero reagir

Poder mudar

Sair daqui

Talvez para o deserto

Um lugar banal

Distante e perto

 

O Mundo está assim

Perto e longe

De mim

 

Longe de tudo

Perto daqui

Longe de todos

Sozinho

Sozinho

 

Assim

 

Odivelas, 04-07-2010

 
     
  Mergulho sem limites  
     
 

Olho nos teus olhos:

grandes, redondos, profundos.

 

Mergulho neles, sem saberes,

sempre que te vejo,

sempre que te imagino

no breve instante do teu sorriso.

 

Não sei se sabem a sal ou a mel

nem sei nada de ti.

 

Apenas, que me apetece

mergulhar nos teus olhos

grandes, redondos, profundos

e ficar assim

 

navegando neles,

abandonado.  

 

Lisboa, 12-12-2010

 
 

 

2008

 
  Folar do Algarve  
     
 

Pão amassado dos meus dias,

mel dos beijos dados e por dar,

canela que retempera a paixão.

- És o meu folar doce do Algarve!

 

Provo-te na levedura crescente,

Misturando ingredientes, mexendo

saboreando o teu corpo quente,

despertando sentidos, tecendo

a teia fermentada que dá a forma

ao bolo da Páscoa que recriamos

a cada dose de dádiva e retoma

sentindo cada sensação em pleno

do amor contido, agitado e sereno.

 

Por cada pedaço, um beijo terno,

por cada bolo, o amor revive eterno.

 

Pão amassado dos meus dias,

mel dos beijos dados e por dar,

canela que retempera a paixão.

- És o meu folar doce do Algarve!

 

Vilamoura, 21-03-2008

 
 

 

2007

 
  Afastamento e recato  
     
 

Afasto-me

das coisas fúteis

do ruído inútil

das quezílias estéreis

das vãs e inúteis afirmações

que não constroem

e desunem.

 

Da palavra fácil e redundante

da altivez que esconde o receio

das acusações gratuitas

dos tolos que as produzem

dos que pensam que tendo um pouco

têm a mão cheia de tudo

e, afinal, só têm mesmo a mão vazia

cheia de nada.

 

Recato-me, cada vez mais

na contemplação das vaidades

na observação do carácter

na leitura das entrelinhas

na conjectura da antecipação

da queda dos anjos perenes.

 

Lisboa, 01-11-2007

 
     
  Quietude enigmática  
     
 

Quero amar-te assim

nessa quietude enigmática

nessa pose distanciada

controlando com mestria

sentimentos e emoções

 

Porque sei que basta

um olhar furtivo

um toque de pele

para despertar o vulcão

que trazes dentro de ti

 

Mergulhado no vôrtice da paixão

incendiado da lava incandescente

o meu corpo escorre pelo universo

em múltiplas centelhas ardentes

espalhadas pelo vento ainda morno

pelos quatros cantos da Terra

 

Vilamoura, 03-07-2007

 
 

 

2006

 
  Melro preto  
     
 

Um melro preto

saltita sobre a relva,

debicando nas clareiras

de terra molhada.

 

Olha em volta,

freneticamente,

nervoso, desconfiado.

Ao mínimo som ou gesto,

nas redondezas,

o melro foge e acoita-se

entre a ramagem das árvores.

 

O instinto de sobrevivência

faz-me pensar na diferença

entre nós e o melro preto:

- somos quase iguais,

apenas ainda não sabemos

fugir, a tempo, do perigo eminente.

 

Amamos andar na corda bamba,

em constante desequilíbrio.

 

Vilamoura, 09-04-2006

 
     
   Amor de rosa  
     
 

Amor,

as pétalas da rosa

ainda não morreram,

mas fecharam

na tua ausência.

 

Amor,

a rega é necessária

ao florir da rosa.

Esta está murcha,

acabrunhada,

vivendo na esperança

do reencontro da tua mão,

dos teus beijos quentes

dos teus lábios molhados.

 

Amor,

tenho saudades.

 

Lisboa, 18.08.2006

 
     
  Tédio de rosa  
     
 

Desabrochara

numa primavera seca,

vingara com as agruras

da sede e do desespero,

pétala, muitos espinhos...

Mas firmara-se,

colorida, cheirosa, rebelde,

assumida.

Os anos passaram

e a rosa cansou-se

do mesmo quintal de sempre,

do mesmo latido dos cães,

do piar intempestivo das aves,

das vozes em surdina da casa,

das mãos que a apontavam

mas que nunca a tornaram útil.

 

Desbotou, aos poucos,

E morreu de tédio.

 

Vilamoura, 09-04-2006

 
 
 
 

 

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